Profissionalização em paradiplomacia

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A Paradiplomacia é uma área relativamente nova dentro do universo multidisciplinar das Relações Internacionais que ainda gera uma série de dúvidas e questionamentos.

O fato de não existir uma legislação capaz de delimitar as atividades dos entes subnacionais no panorama internacional e consequentemente não haver uma estrutura governamental para gerenciar as mesmas, dificulta a inserção de novos profissionais e a criação de novos órgãos restringindo a atuação global de regiões e municípios em todo o Brasil, sendo está uma área existente somente nas grandes capitais e estados mais ricos.

Mas o que faz um órgão de paradiplomacia e um profissional desse setor? Embora a paradiplomacia tenha surgido na Europa como forma de estabelecer sinergias entre as cidades do continente afetadas pela II Guerra Mundial, o escopo da área sofreu diversas modificações ao longo dos anos e hoje vão além da simples geminação das cidades, para se transformar em um importante instrumento de competitividade e de promoção internacional. Essa evolução é decorrente da própria evolução dos espaços urbanos e das mutações do cenário internacional com o surgimento de novos atores.

Atualmente segundo as Nações Unidas mais da metade da população mundial vivem em grandes cidades, em países como o Brasil essa porcentagem supera os 70%. Diante deste fato, não é de estranhar que as cidades tenham adquirido maior relevância internacional em decorrência da concentração econômica, social e política, que começou nos anos 70 e continua em plena expansão sendo elevada a uma nova era com o surgimento das cidades inteligentes ou smarcities.

Uma cidade como Londres, Paris, Berlim ou Nova York possui maior peso como centro de decisões do que nações inteiras.  Ainda assim, são limitadas pelos interesses das nações que as compõe ou, até mesmo, por restrições políticas derivadas do marco constitutivo no qual estão integradas. Porém uma cidade como São Paulo, por exemplo, não possui as mesmas necessidades, interesses e problemas que regiões agrícolas do Brasil e os órgãos oficiais da diplomacia brasileira dificilmente conseguirão equilibrar esses interesses de modo a estabelecer uma política homogênea capaz de representar a todo seu território. Neste contexto, a paradiplomacia ganha força.

Através da paradiplomacia uma cidade ou região administrativa pode representar seus interesses sem afetar o planejamento estratégico de uma nação ou ser afetada pela própria morosidade dos órgãos competentes. Um exemplo fácil de compreender essa atuação se dá mediante a analise das relações diplomáticas do Brasil com a União Europeia. O acordo comercial entre o Brasil (Mercosul) e a União Europeia leva mais de 20 anos em negociação, porém, algumas cidades do país possuem necessidades imediatas (como por exemplo a gestão do tráfico em São Paulo). O município pode realizar acordos e parcerias com cidades da Europa na busca por soluções, equipamentos ou até mesmo serviços, sem passar pelo filtro da diplomacia oficial, somente respeitando o marco jurídico do Brasil. Assim, cidades com demandas especiais ou setores especializados, como por exemplo as cidades turísticas do nordeste, podem realizar promoções internacionais atuando de forma separada aos projetos nacionais.

Cabe ressaltar que o objetivo da paradiplomacia não é o de substituir a diplomacia oficial de um país. Antes, objetiva incrementar seus esforços e realizar ações localizadas com o intuito de alavancar a competitividade de uma nação como um todo e de descentralizar as decisões, principalmente em países tão grandes quanto o Brasil, onde interesses legítimos divergem em âmbito nacional. Dessa forma, podemos afirmar que a paradiplomacia é uma ferramenta da própria diplomacia, que atua de forma paralela e em níveis diferentes.

Atualmente, existem mais de 185 órgãos de paradiplomacia de mais de 85 cidades ou regiões no mundo inteiro. O objetivo primordial desses órgãos é o de representar os interesses de suas cidades ou regiões administrativas em âmbito mundial. A atuação se dá por acordos de cooperação, convênios acadêmicos ou técnicos, projetos bilaterais e, principalmente, na promoção comercial de suas regiões, promovendo feiras e rodadas de negócios, internacionalização de empresas, atração de investimentos estrangeiros, atração de turistas, entre outras atividades.

Embora a paradiplomacia tivesse sua origem na Europa, muitos países utilizam a mesma de forma paralela a sua representação oficial. Os Estados Unidos, por exemplo, além de possuir uma ampla rede de embaixadas e consulados no Brasil, também conta com a existência de escritórios de promoção comercial e turística de cidades como Las Vegas ou Miami. A Espanha, além de possuir seu órgão de promoção comercial nacional (ICEX – Instituto de Comércio Exterior), conta com escritórios de representação de regiões como a Catalunha, País Basco e Galícia localizados em São Paulo. No Brasil, a área de paradiplomacia ainda é recente, embora algumas regiões, como a área metropolitana de Campinas, já tenham escritórios de representação na China e algumas cidades possuam órgãos de atração de investimentos estrangeiros, tais como o Investe SP ou o Investe RJ. Todavia, esta é ainda uma área bastante limitada e muitas prefeituras carecem de um órgão responsável por suas relações internacionais ou até mesmo desconhecem o potencial dessa área.

Sendo assim, o perfil do profissional de paradiplomacia muitas vezes é desconhecido por falta de atuação e experiência dos internacionalistas em diplomacia subnacional ou por falta de conhecimentos do próprio município. O cargo acaba normalmente desenvolvido por profissionais de marketing internacional, que estão habilitados não somente para promover sua região como para impulsar projetos de internacionalização, participar de feiras internacionais e estabelecer novas parcerias. Também por apresentarem maior domínio de idiomas e vivência em outros países que alunos recém formados em Relações Internacionais, os quais não tem experiência de mercado e possuem uma visão teórica de um nível mais elevado dos atores internacionais. Para um município, é mais importante conhecer as características mercadológicas de cidades semelhantes do que os detalhes de um acordo internacional entre blocos.

Pelos motivos acima citados, o internacionalista que deseje atuar em paradiplomacia, não somente deve apresentar conhecimentos das Relações Internacionais, como também conhecer outras disciplinas, tais como marketing, tecnologia da informação e comércio exterior, cuja atuação é mais objetiva e mais eficiente para um município. De forma resumida, o que difere o internacionalista que atua em diplomacia do que aquele que atua em paradiplomacia é o tempo de resposta e resultados. Um acordo bilateral entre dois países pode levar anos para ser internalizado pelo direito local, porém, uma ação entre municípios possui uma necessidade imediata e menor tempo de resposta.

Outra possibilidade de atuação que permite a paradiplomacia é de que a mesma não necessariamente deve surgir no âmbito público. Consultorias e empresas podem suprir as necessidades de pequenos municípios e atuar como representantes de seus interesses no cenário internacional. Esta realidade tem aumentado devido ao surgimento das cidades inteligentes e a racionalização das dinâmicas urbanas que estão inserindo continuamente novos atores internacionais. Porém, cabe ressaltar que assim como a paradiplomacia pública, a falta de um marco jurídico que especifique as atribuições desses novos atores internacionais faz com que muitas dessas relações sejam ainda delimitadas pelo direito internacional privado e isso consequentemente afeta parte das relações.

Apesar de tudo, a paradiplomacia é, sem dúvida, uma das áreas com maiores possibilidades profissionais, devido justamente a essa flexibilização que apresenta e a sua inexistência em diversas regiões o que possibilita a formação de modelos específicos para cada localidade e de novas oportunidades. Assim mesmo, o continuo engessamento dos órgãos da diplomacia oficial devido as constantes mudanças nacionais e internacionais faz com que seja crescente a busca de novos modelos de representações, pois o mundo não espera o Itamaraty para seguir rodando… de modo que se esse é seu interesse, diversifique seu conhecimento, faça cursos de marketing internacional, comércio exterior, gestão de projetos e crie sua startup ou projeto para apresentar as autoridades locais trilhando seu próprio caminho.

Wesley S.T Guerra é formado em Negociações e Marketing Internacional pelo Centro de Promoção Econômica de Barcelona, Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília e especialista pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, Mestre em Políticas Sociais e Intervenção sociocomunitária com Especialização em Migrações pela Universidad de La Coruña (Espanha). Fundador do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais e especialista em paradiplomacia do Governo da Catalunha.

Artigo publicado em: https://ceiri.news/o-desafio-da-paradiplomacia-na-america-latina/

Bibliografia:

KEISER, Robert, Subnational Governments as Actors in International Relations: Federal Reforms and Regional Mobilization in Germany and the United States, Stuttgart, 2000.

SASSEN. Saskia. The Global City: Strategic site, New Frontier. Managing Urban Futures, 2016.

S.T Guerra, Wesley. O Papel da paradiplomacia na internacionalização de Empresas. CEIRI. https://ceiri.news/o-papel-da-paradiplomacia-na-internacionalizacao-de-empresas/

S.T Guerra, Wesley. Paradiplomacia, um vetor de desenvolvimento econômico. Cidadão do Mundo. https://cidadaosdomundosite.wordpress.com/2016/05/04/paradiplomacia-um-vetor-de-desenvolvimento-economico-por-wesley-s-t-guerra/

S.T Guerra, Wesley. Smartcities. Cidades Globais no declínio dos autores internacionais. CEIRI. https://ceiri.news/das-smartcities-cidades-globais-no-declinio-dos-atores-internacionais/